sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

A Pró


. Estava eu pronta pra almoçar, quando me aparecem dois meninos. De mochila, calça jeans e casaco escondendo a farda azul-bebê. Cheirando a leite.
: – Quanto é a massagem?
. Eu nem estava instigada pra tirar aqueles cabaços assim, na hora do almoço. Horário de almoço é sagrado. Mas fiquei curiosa pra saber quanto aquilo poderia me render.
: – Cinquenta.
: – É... E o serviço completo?
: – Como, serviço completo?! Não tem nada disso aqui, não, menino!
: – Ah, colé... Eu já tenho quase dezoito – e me mostrou o documento. Não resisti.
. Matei duzentos paus. Sem muito esforço. Na outra semana, já vieram com mais três colegas. Esses estavam meio tímidos, nervosos. Mas também foram embora sem camisa, suados, sorrindo. Como verdadeiros homenzinhos!
. Tinha dias que ficavam quase dez meninos sentados na amendoeira em frente ao meu prédio, ali, de bobeira, conversando, alguns mais calmos, outros impacientes, fumando... Eu amava quando traziam vinho e cigarros para mim, quanto mais doida eu ficava, mais gostoso eu fodia.
. Quem eu mais gostava era um chamado Tiago. Tinha uns dezesseis anos, mas assim todo desenvolvido. Fortão, as costas largas e uma piroca tão grossa que mal cabia em minhas mãos. Se ele soubesse que eu pagaria pra chupar uma daquelas...
. Tinha também o Rô, uma gracinha, os olhos verde-mar, sempre trazia chocolate pra mim! É claro que algumas vezes não rolava química, ou eu estava muito cansada. Aí tinha de ser mais profissional, mesmo. De qualquer jeito, era legal ensinar a eles onde colocar a mão, como meter forte, ritmado e gostoso, como se chupa direitinho uma buceta, e outras técnicas básicas, que todo homem devem conhecer pra satisfazer uma mulher. Preparei aqueles meninos para a vida mais do que qualquer professora!
. Poderia dar merda a qualquer momento: eu sabia. Deviam ter no máximo quinze, dezesseis anos, eram tão novinhos! Mas fazer o quê? Só aluguel e condomínio desse apêzinho vagá na Pituba são quase mil reais! Eu preciso de pelo menos uns três mil por mês para me manter, não é sempre que posso me dar o luxo de escolher cliente, ia deixar de trepar com os meninos porquê?
. Sabe, eu costumo cobrar de acordo com o cliente. Quando vem me pegar de carro importado, é de trezentos pra cima. Quinhentos se for velho e der trabalho pra levantar a bengala. Mas para os meninos, não cobro mais de oitenta, cem. Primeiro porque consigo derrubá-los mais rápido, depois porque é mais gostoso e divertido comer três, quatro guris numa tarde do que arriscar a sorte e sair com um desconhecido que te liga numa noite qualquer. Vai que é um maníaco ou um desses tipos sebosos que pára o carro à noite na Manoel Dias! Prefiro meus garotos.
. Um dia batem na porta dois caras. Camisa de botão, jeans, lupa... Polícia Civil. Foram logo me chamando de puta, não neguei porque não tenho vergonha de ser. Aí, disseram que o diretor da escola deu uma queixa contra mim, me acusando de abuso de menores. Botaram a maior pressão: você vai ser presa, nós temos provas e testemunhas, não tem como você escapar... Mas eu não me desesperei. Enquanto eles ficavam olhando minha bunda, eu mostrei que tinha peito.
: – Olha bem pra mim! Olha! Tem gente pagando quinhentos conto pra passar a noite comigo, cê acha que eu ia perder tempo roubando mesada de guri?!
. Só que os caras eram durões. Com eles, não tinha conversa certa. Resultado: para amolecê-los, tive que pagar três paus e ainda chupar dois!



Mais um conto da série "Lapsos no Papel", iniciada com o conto"Red Martini". Aproveito para divulgar meu outro blog, dedicado a poemas de inspirações eróticas e concretistas:



domingo, 6 de janeiro de 2008

SINAIS

Foto: Marta Erhardt, A TARDE On Line, www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=758187


Sinais

. Mais 60. Duas da tarde, o sol castigando e Bituca ainda com um copo de leite na barriga. Em casa devia rolar um feijãozinho com arroz e talvez frango, só que até de noite precisava comer alguma coisa. Saco vazio não fica de pé.

. 50. Hoje o movimento tava fraco. Só umas 10 moedas. Quem sabe dá pra pegar um rango em Dona Melinha – a véia é bróder e quando falta alguns centavos libera se ajudar nos pratos – mas ele queria mesmo era juntar um trocado e passar depois no fliper.
. 40. Bituca flagrou Totonho distraído, treinando novas jogadas. O miserável é verme, sabe mandar o pau de borracha girando pra cima na facilidade, depois dá uma volta no corpo, pega e ainda sai fazendo um monte de arte: passa debaixo da perna, equilibra na testa, no queixo... Foi Totonho quem ensinou a Bituca a manha de fazer malabarismo girando um pau coberto por tira de borracha com duas varetas. Só que a idéia de fazerem os dois de vez, com o Totonho em pé nos seus ombros, fora dele. 30.

: - Mais tarde se sobrar dinheiro a gente joga. Cê tá me devendo 3 ficha...
: - Se a gente jogar aquele novo de luta você é que vai ficar me devendo dessa vez. Eu treinei que nem a disgrama esse fim de semana!

. 20. Os dígitos verde-luminosos da sinaleira demoravam a mudar. Bituca não entendia: se os números da sinaleira são iguais àqueles que aparecem no videogame, porquê nos jogos eles passam beeem mais rápido do que nessa merda de sinal?

. 10 segundos. Ele empunhou os malabares e calçou o chinelo, se preparando para adentrar no asfalto quente. Laranja. Olhou o boneco andante do sinal de pedestres, que piscava verde indicando à massa a iminente travessia. Assim que o semáforo dos veículos tingiu-se de vermelho, Bituca se picou com Totonho na frente do povaréu que cruzava a faixa. Pretendiam aproveitar ao máximo o breve coágulo no trânsito soteropolitano.

. Primeiro, o momento crucial da apresentação: Totonho pongou em cima de Bituca, que se ergueu ao perceber amigo já equilibrado, e começaram a girar os paus de borracha cada um prum lado diferente. Depois Bituca jogou o emborrachado girando pro alto no instante em que Totonho largou o dele, cada um na manha certa pro outro pegar, trocando no ar os paus de borracha. Até mesmo os transeuntes se encantavam com a manobra. Alguns, após atravessar a pista, ainda permaneciam parados na calçada para assistir todo o show. Espetáculo com precisão cronométrica de 20 segundos. Tinha que sobrar 15 pra cobrar o cachê.

. Bituca perdeu 2 segundos analisando os carros. Um prata equipadão cuns playbozinhos ouvindo pagodão nas altura... Um jipão preto, fumêzão levantado e um casal de barão dentro... Um Chevette velho guiado por um coroa mais acabado ainda; uma moça bonita num Kazinho vermelho...

: - E aí men, não tem um trocadinho aí pr’eu comprar uma merendinha, não?

: - Porra, cê botou pra fuder, pivete! Se eu tivesse um circo te contratava! – e perguntou se alguém da galera não tinha umas moedas. As luzinhas da sinaleira dançando em ritmo acelerante enquanto eles reviravam seus bolsos. Ao menos entregaram a Bituca um volumoso punhado. Ainda deu tempo de chegar no coroa, mas ele falou que tava quebrado. Bituca queixou um cigarro.
: - Você é novo demais pra tá fumando... Deixe disso, menino, que cigarro na sua idade é a pior coisa que tem!
: - E na sua idade, então, é caixão-e-vela!
. Que onda! Ele já ia fazer 12, trabalhava desde os 8 e ajudava em casa mais que muitas pessoas maiores. O viado velho soltava mais fumaça que a descarga do Chevette e preferiu jogar a porra do cigarro fora ao invés de lhe dar a segunda.

. O sinal abriu outra vez. Sentaram no meio-fio para um balanço financeiro. Apesar de serem tudo de cinco e dez, juntas as moedas dos playboys renderam 80 centavos a Bituca. Totonho só conseguira 25 de um carro preto com um cara dentro e mais nada. Também, queria o quê? Pára na janela com a mão estendida sem nem dar um pio; termina passando de carro em carro sem conseguir nada. A maioria fecha o vidro quando vê um moleque sujo e esfarrapado chegando com uns pedaço de pau na mão. Tem de escolher as pessoas certas, saber se fazer coitadinho... Aí eles ficam com pena, acham que é criança carente e dão dinheiro.

. Os ganhos na sinaleira de Ondina estavam minguando. No ano passado, quando começaram o número com os malabares, a idéia lhes apareceu como solução para multiplicar a esmola. Só que agora haviam garotos espalhados por diversos cruzamentos da cidade fazendo o mesmo. Foda também era segurar o ponto privilegiado na orla, entrocamento de duas avenidas disputado a facada no mundo esmolérico. Vendedor de água mineral, flanelinha, aleijado, dava de tudo na sinaleira. Mas malabares só podiam ser eles – se entrasse mais unzinho que fosse prejudicava o lucro. Mantinham a exclusividade a custo de uma eficiente política de relações, que incluía favores como às vezes olhar o neném da pedinte que fica na escadaria do banco, encher baldes d’água pros flanelinhas, se coligar aos barraqueiros, aos garis, jornaleiros... Eram conhecidos por todo mundo em volta da sinaleira, até mesmo pelos PMs do módulo. Assim, caso ocorre feito a vez que uns pivetes da cidade baixa tentaram tirá-los do pico e tiveram que sair na mão contra quatro, tinham certeza de serem defendidos.

. Bituca encarou novamente o homenzinho verde que caminhava no semáforo. Piscava lembrando que em poucos segundos recomeçaria o expediente. Vá. Ande. Siga em frente. O bonequinho podia falar com ele?

: - Se eu ficar com mais dinheiro que você, deixo pra lá aquelas 3 fichas e ainda boto 2 se você jogar o do futebol comigo... – andou até o acostamento e pegou a ponta de cigarro jogada pelo coroa. Quase apagada.
: - Aí não tem mais nada, Bituca. Larga isso fora – Totonho fez pouco caso da insistência do companheiro, que encarou o descrédito como desafio.
. Mas Bituca soprou, puxou e tragou a baga até reavivar a chama. Se aplicou e só dispensou no filtro. Afinal, não foi à toa que ganhara aquele apelido.