terça-feira, 25 de março de 2008

meu escritor preferido


. os escritores de quem eu mais gostava eram Jorge Amado, João Ubaldo, Carlos Drummond e Guimarães Rosa. literatura estrangeira? pequenas doses. tirando os porres de vodka(Dostoievisky e Gork), agora não me lembro de mais nada. isso tudo até ler Bukowsky. aí sim, o meu gosto pelas letras evoluiu. hoje, meu autor preferido sou eu mesmo.

sacizeiro

sou um homem consciente de minhas fraquezas


um homem que levanta o próprio peso no supino


e desaba, ofegante, fodido por uma buceta





sou a alma que caminha, sozinha,


à meia-noite vazia da cidade


e deseja evaporar


sofrer uma mudança metafísica de estado


subir e desaparecer no ar


como a fumaça do meu cigarro





um sacizeiro me pede um real


desespero e vício encarnados


lhe dou três carltons


e ele me abraça como a um velho amigo


o sacizeiro vai embora feliz, e eu, vivo


após mais um encontro com a morte e a poesia





nunca encontrará o real prazer


quem vacilar diante da vida


viver é chupar a buceta de uma puta recém-fodida





. poema inspirado pela leitura de "O amor é um cão dos diabos", de Charles Bukowsky. observação: sacizeiro é uma gíria utilizada em Salvador para designar os fumadores de crack e remete ao saci, personagem folclórico que aparece sempre retratado com um cachimbo à boca.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Vícios




. fumando. pra caralho. só hoje, uma carteira de marlboro heavy. sinto um muco escorrer pela minha garganta até os pulmões, enquanto o coração lateja no peito suado. uma escarrada no chão revela uma gosma esverdeada e consistente. deixa aí, depois eu piso e some. trago novamente o cigarro à boca e os pulmões irritados se debatem, tentando fugir de dentro de mim. eles deviam saber que é inútil. não há como escapar da fumaça que obumbra o interior do meu quarto, se espalha pelas ruas da cidade e acinzenta a atmosfera azul do planeta.


. tudo tem me cansado. acordar, levantar, sentir fome, andar até o mercado, voltar carregando as compras e subir três andares de escada me arrastando. até bater punheta ta me cansando. foder? talvez me matasse. seria uma morte melhor do que mereço.


. mais alguns anos nesse ritmo e enfarto ou fico broxa antes dos quarenta. na pior das hipóteses, tenho uma necrose, quiçá um câncer de pulmão ou laringe – ao menos poderei ter a minha foto estampada no verso das carteiras de cigarro. pela primeira vez na vida, ainda que no final, eu apareceria em alguma lugar.







. o celular bipa me avisando que já são cinco da manhã. acendo outro cigarro pra afastar a modorra. a nicotina faz meus neurotransmissores receberem altas doses de endorfina e dopamina, o que aumenta minha concentração e combate o sono. em contrapartida, o mal causado pelo fumo vem me fazendo dormir mais do que o normal. seis horas de sono já foram suficientes para eu me recompor, só que atualmente passo metade do dia dormindo e ainda acordo cansado. é como se meu corpo precisasse de mais tempo de repouso para que as células se multipliquem e me recuperem dos danos causados pelo tabaco. queria poder não dormir. nunca mais. existe desperdício de tempo maior do que dormir?







. escrever é bem melhor que dormir. escrever, escrever como sangrar. como fazia henry charles bukowsky. alias, não pense que estou tão sonolento que me esqueci das maiúsculas – é apenas uma tentativa de me aproximar dele. acho que ele escrevia assim porque na máquina de escrever deve ser foda ficar colocando caixa alta toda hora, após cada ponto. ainda mais para quem adora frases curtas. ou, quem sabe, ele só utilizava letras minúsculas pra diminuir ainda mais os seus escritos? não importa. sou ainda mais idiota do que o velho hank, tentando copiar descaradamente o seu estilo. pra me sacanear, o word vai substituindo todas as iniciais das frases por maiúsculas, me dando o maior trabalho pra fazer um texto merda desses. hoje em dia, até fazer uma merda bem feita é foda.

. e cigarro dá mesmo vontade de cagar. sentado no trono da iimbecilidade, mando o resto da merda pra fora, dispenso a ponta e dou descarga. depois me bato comigo no espelho. minha cara já viveu dias melhores. olhos fundos, cabelos sujos, a cara sebosa. a barba por fazer esconde cravos de cabeça preta, bolas vermelhas inchadas e crateras lunares. espremo uma espinha até estourar abruptamente e sujar o espelho de pus amarelo-ralo. dói bastante, mas eu gosto. escolho um cravo maduro perto da orelha e só me contento quando sinto que meu sangue ainda pulsa, escorre pelo queixo e coagula misturado com a sujeira das unhas. tenho que expulsar esses invasores da minha pele, ainda que fique marcado eternamente pelas cicatrizes. é como uma necessidade, um vício, comparado apenas à minha obsessão pela escrita. ou pelo cigarro. um dia, hei de escrever um livro. no fundo, haverá uma foto desse cara no espelho, ainda mais decrépito. acima, letras garrafais: “ele é uma vítima da própria escrita. escrever é um vício e pode levar à morte.”





fotos de Charles Bukowsky retiradas de http://www.spectroeditora.com.br/autores/bukowski/bukfoto.php