domingo, 24 de outubro de 2010

Conselho Dominical de Ferreira Gullar

Há dias que amanhecem bonito
e a alma insiste em acinzentar
Se a vida perder o sentido
Só nos resta sair
Sem destino
e Andar


. Sexta, 22/10, fui ao show de Carlinhos Brown no TCA, onde ele contou sobre uma noite em que ficou acordado até altas horas, insône, sem saber porquê não conseguia dormir. Começou a rezar, e, estranhamente, não foi pelo Pai Nosso, e sim pela Ave Maria. Rezou tanto para Maria que dormiu. Pela manhã, Brown acordou e, sem lembrar como, descobriu que havia recebido mais uma música, "Maria de Verdade", que veio a ser gravada pela ilustre visitante que recebeu neste dia, Marisa Monte.
. Hoje, abri o jornal e li uma crônica de Ferreira Gullar ("Os Acasos da Manhã"), onde ele fala sobre um dia que amanheceu belo, mas ele estava de alma acinzentada. Sem razão ou destino, saiu para andar pelas ruas do Rio. Foi reconhecido por um senhor, provavelmente argentino, que lhe abordou dizendo ter levado uma crônica sua ao síndico do edifício onde o poeta morou em Buenos Aires, quando estava exilado. Nesta crônica, Gullar fala de uma vez em que voltou à cidade para lançar sua grande obra, "Poema Sujo", e um amigo o levou para tirar fotos e filmá-lo em frente à moradia onde escreveu o livro. Hoje, quem passa pela calçada deste antigo edifício na capital argentina pode constatar sua importância para a poesia brasileira como berço da concepção do "Poema Sujo, ao ler a crônica de Gullar, devidamente emoldurada na parede. Essa mistura de destino e acaso, que nos leva a recriar a realidade de modo tão singelo e bonito quanto Brown e Marisa fizeram ao criar "Maria Verdade", ainda fascina o maior poeta vivo brasileiro, aos 79 anos.
. A angústia nos dias bonitos, a insônia nas noites calmas, existe algo de perturbardor em nossa condição humana: aprisionados em nossos corpos, inseridos em universos simbólicos, confusos ou convictos acerca de nossos sentimentos e ideologias, somos impelidos a nos expressar através de experiências compartilhadas para que, de fato, existamos além de nós mesmos. Para saírmos de nós e penetrarmos em corações alheios (ou na eternidade), temos que interagir com os outros, tocarmos em seu afeto. Sem eles, nossas experiências não têm sentido.
. Precisamos nos expressar. Ou então, não há porquê se manifestar, não há porquê Carlinhos dormir, não há porquê Gullar sair e andar, nem porquê eu blogar. Continuem a se manifestar, Brown, Gullar e outros iluminados, pelo bem da humanidade. Que todos se manifestem esteticamente, para manter em dia a própria sanidade.

sábado, 9 de outubro de 2010


No início, o amor me inspira
depois, me pira
depois, ra

eu não tô nem aí